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quinta-feira, 3 de março de 2011

Oppenheim, sua Xícara Peluda e o Santo Daime

Meret Oppenheim  'Object'.  Fur-lined cup, saucer and spoon. 1936

Enquanto vasculhava o aplicativo do MoMA em meu celular, deparei-me com esse objeto fantástico criado por Meret Oppenhein.
Por razões ocultas (ou nem tanto), tal obra me remeteu a uma experiência igualmente fantástica vivida no ano passado: o Santo Daime. Acredito que o assunto seja digno desse segundo post, tanto pela beleza da obra, tanto pela recordação, tanto pelo exercício terapêutico que é a escrita...
Inicialmente, vale esclarecer que essa xícara de chá forrada com pele talvez seja o objeto mais notório do Surrealismo. Poucos sabem que sua perversidade sutil foi inspirada por uma conversa entre a artista, Pablo Picasso e a fotógrafa Dora Maars em um café parisiense.
Picasso, admirando a pulseira forrada com pele de Oppenheim, afirmou que qualquer coisa poderia ser coberta com o material, ao que Oppenheim respodeu: “mesmo essa xícara e colher de chá”. Pouco depois, quando convidada por André Breton a participar da primeira exposição surrealista dedicada a objetos, Oppenhein comprou os itens em uma loja de departamentos e os apresentou cobertos com a pele de uma gazela chinesa.
Além das referência sexuais e políticas implicadas nesse pequeno objeto côncavo e coberto por pelos, a obra tira vantagem das diferenças de prazeres sensoriais: os pelos podem ser prazerosos ao toque, mas certamente repelem a língua.
Pois bem... Ainda que servido em um copo plástico, o chá de gosto amargo e pungente que tomei no último ano também repelia a língua. Não obstante, propiciou uma experiência sinestésica, mística, singular e surpreendente da qual não me arrependo.
Cumpre dizer que o Santo Daime reúne elementos cristãos, da tradição espírita europeia, indígenas e africanos, e inclui a ingestão do líquido feito a partir dos ingredientes constituintes da ayahuasca, bebida sagrada utilizada pelos incas e por várias tribos da região amazônica.
Confesso que, ao participar da cerimônia, esperava meramente enriquecer meu arcabouço cultural e antropológico. Imaginava que a experiência alucinógena seria um tanto despropositada e nada teria de genuinamente transcendental. Fui surpreendido por visões celestiais e uma perspectiva extremamente crua e lúcida sobre mim mesmo.
    • Foi, deveras, metafísica?
    • Não vem ao caso...
Seguem os versos, escritos à época, que sintetizam a vivência:

Essa noite me visitou um anjo como o da capela do colégio.
Fascinado como outrora, busquei a mim mesmo em sua imagem luminosa.
Não encontrei!
Suas costas eram mais largas, o olhar mais doce e a voz mais fluida.
Notei que nas mãos trazia um diapasão dourado. Meteu-lhe em minha fronte tirando uma nota grave.
Entendi que preciso ser menos grave.



Um comentário:

  1. João,
    Gosto de surrealismo, acho que André Breton foi muito feliz em definir essa escola que cria um mundo paralelo "um pouco além da realidade". Já publiquei um texto "Surrealismo japonês" que foca essa escola aplicada à vida prática. Prabéns pelo belo texto.

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